Crítica - X-Men: O Filme

Em 2008, quando começou a produzir seus próprios filmes, a Marvel direcionou seu foco para o universo de Os Vingadores, investindo pesado em produções de super-heróis como Homem de Ferro, Capitão América e Thor. Nestes filmes gastou-se tempo demais na elaboração de histórias cheias de ação e personagens engraçadinhos e tempo de menos em histórias que sabiam explorar seu potencial. X-Men, felizmente, não se encaixa nessa categoria.

Logo no início do longa temos o Senador Kelly (Bruce Davison) discursando sobre uma menina que pode atravessar paredes e a possibilidade dela entrar em qualquer banco ou casa. Embora o discurso do político seja perigoso não podemos dizer que também é irracional. Como você agiria se vivesse entre pessoas que podem entrar em sua casa com absoluta facilidade, criar tornados ou até mesmo controlar sua mente?

O diretor Bryan Singer e o roteirista David Hayter começam maravilhosamente bem ao nos introduzir primeiramente ao vilão do filme, Magneto (Ian McKellen), numa cena onde este se encontra num campo de concentração nazista durante sua infância. Revelando muito sobre suas motivações posteriores e o afastando de uma imagem unidimensional, é compreensível que anos mais tarde o seu comentário acerca do discurso do Senador Kelly sobre o perigo dos mutantes para a sociedade seja “Já ouvi esses argumentos antes”.

Um dos pontos mais interessantes do ponto de vista narrativo fica por conta dos três “lados” da história: os humanos, que querem proteção contra mutantes; a Irmandade, liderada por Magneto, que acredita que os humanos devem se submeter à sua “espécie evoluída”, os mutantes; e os X-Men, que no meio de tudo tentam impedir políticas antimutantes através da diplomacia ao mesmo tempo em que tentam impedir os atos contra a humanidade liderados por Magneto.

Do ponto de vista técnico não há o que reclamar. Embora os efeitos especiais hoje sejam ultrapassados, para a época foi um trabalho muito bem executado. O design de produção de John Myhre mescla muito bem os rústicos andares superiores da Mansão X com o os moderníssimos andares inferiores, além de trazer ideias criativas para demonstrar o poder de Magneto, como as placas de metal que se transformam numa ponte e um Pêndulo de Newton sem fios. Myhre também é inteligente ao criar sets que “rimam” com outros, como é o caso do Cérebro utilizado pelo Professor Xavier (Patrick Stewart) e a Prisão de Plástico na qual Magneto é confinado.

A relação de Charles Xavier e Eric Magnus, líderes de grupos que se opõem, é muito bem trabalhada além da semelhança de sets. Embora separados por ideais diferentes, ambos lutam a favor da causa mutante, e o primeiro nunca perde a esperança em trazer o segundo à razão. Chega a ser tocante ver os dois velhos amigos conversando sobre suas divergências e fazendo ameaças enquanto movimentam suas peças num jogo de xadrez. Mas a boa relação de Xavier também se estende para os mutantes do instituto que leva seu nome, como evidenciado pela relação entre este e Jean Grey (Famke Janssen), Tempestade (Halle Berry) e principalmente Ciclope (James Marsden), que o trata quase de forma paternal. De certa forma todos os membros do Instituto Xavier são órfãos em consequência da repulsa familiar ou do medo de terem sua mutação revelada.

Destacando-se dos demais está o protagonista, Logan, ou Wolverine (Hugh Jackman), que tem parte de sua personalidade exposta em seu visual de penteado rebelde, barba, jaqueta de couro e charuto na boca. Apesar da aparência quase selvagem, Wolverine revela a possibilidade de ser uma figura “mansa”, especialmente para Vampira (Anna Paquin), por quem nutre um carinho especial. Possuindo um passado nebuloso do qual ele tenta se lembrar com o auxílio de Xavier, ele é a maior ponte para o próximo filme, uma vez que o roteiro prefere se concentrar no debate social e solta poucas pistas sobre o que lhe aconteceu.

Mesmo com esta ponta solta, X-Men funciona muito bem, merecendo o título de pioneiro ao mostrar que um filme baseado numa história em quadrinhos pode ser muito mais do que uma mera diversão para jovens.





X-Men
Estados Unidos, 2000
Produção: Lauren Shuler Donner, Ralph Winter
Direção: Bryan Singer
Roteiro: David Hayter, Bryan Singer (história), Tom DeSanto (história)

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A história do Studio Ghibli

Fundado em junho de 1985, em Tokio, pelos diretores Hayao Miyazaki, Isao Takahata, e pelo produtor Toshio Suzuki, o Studio Ghibli é o maior estúdio japonês de animação e um dos pioneiros no mundo todo. Desde sua criação o estúdio produziu mais de trinta filmes, entre curtas e longas, assim como inúmeros vídeos musicais, propagandas televisivas, e até mesmo jogos virtuais.

A decisão de criar o estúdio foi tomada após a positiva recepção de Nausicaä do Vale dos Ventos, filme de Miyazaki que estreou em 1984, que, seguindo o sucesso feito no Japão, estreou no ano seguinte nos Estados Unidos com o título Warrios of the Wind, onde foi significantemente editado e americanizado: importantes cenas foram cortadas e a trama foi duramente reescrita, o que levou o Studio Ghibli a criar uma "política contra cortes". 

Antes da fundação do Ghibli, Miazaki, Takahata e Suzuki tiveram carreiras proeminentes na televisão, animação e publicação. Por oito anos, entre 1963 e 1971, Hayao Miyzaki trabalhou como animador para a Toei Animation Company, um dos mais velhos, maiores e lucrativos estúdios de animação do Japão. Após a decisão de sair do estúdio em 1971, Miyazaki começou a trabalhar na A Pro, outro grande estúdio de animação, onde ele co-dirigiu seis episódios de Lupin III, junto com Isao Takahata, que, antes de ir para a A Pro naquele mesmo ano,  também havia sido membro do grupo de animadores da Toei. Durante esta época, os dois trabalharam juntos em vários projetos, incluindo Heidi, Girl of the Alps (1974) e os curtas Panda, Go Panda! (1974), e em 1979, Miyazaki dirige seu primeiro longa: Lupin III: O Castelo de Cagliostro.

Da esquerda para a direita: Hayao Miyazaki,
Toshio Suzuki e Isao Takahata
Como Miyazaki e Takahata, o produtor Toshio Suzuki trabalhou por período de tempo na Tokuma Shoten Publishing Company, porém, foi apenas em 1978, enquanto trabalhava como editor para a famosa revista de animação Animage que Suzuki cruzou seu caminho com Miyazaki. Nesta época, Miyazaki já havia escrito o roteiro de Nausicaä do Vale do Vento como uma animação, e foi convencido, por Suzuki, a torná-lo um longa-metragem. Entretanto, Suzuki não se juntou oficialmente ao Studio Ghibli como um dos donos até 1991. Miyazaki sustenta que "se não fosse o Sr. Suzuki, não haveria um Studio Ghibli."


Em 1986 o Ghibli lança Laputa: O Castelo no Céu como seu primeiro filme, escrito e dirigido por Hayao Miyazaki. O uso de uma jovem protagonista que encontra um jovem companheiro, fórmula de roteiro primeiramente usada em Nausicaä e novamente em Laputa, é recorrente através do trabalho do estúdio. A ideia de criar Laputa, uma ilha flutuante que é comandada por seus habitantes, teve base no romance As Viagens de Gulliver de Jonathan Swift, enquanto muito do cenário arquitetônico do filme foi inspirado numa visista de Miyazaki ao vilarejo de Welsh. O longa fez muito sucesso com o público japonês e receber onze prêmios, incluindo o Animage Grand Prix de 1986.


O Túmulo dos Vagalumes
O segundo filme do Studio Ghibli, dirigido por Takahata, foi lançado dois anos mais tarde, em 1988, e criou um grande contraste com o clima de fantasia entregue ao público por LaputaO Túmulo dos Vagalumes, baseado na obra autobiográfica homônima de Akiyuki Nosaka, se passa durante a Segunda Guerra Mundial, e acompanha duas crianças que lutam para sobreviver nos tempos de guerra no Japão. O filme foi muito bem recebido no Japão, Europa e nos EUA, com muitos críticos elogiando o trabalho de Takahata em mostrar ao público um retrato da inocência infantil confrontada pela dura realidade das tragédias da guerra. O filme leva o público a olhar além da superficialidade da animação e considerar as personagens como seres humanos, criando uma empatia raramente alcançado em animação - e estabelecendo o estúdio e suas cabeças como verdadeiros cineastas, ao invés de "meros" animadores, rompendo uma forte barreira que existe entre realizadores de filmes live-action e animadores.

Meu Vizinho Totoro
Lançado no mesmo ano que O Túmulo dos VagalumesMeu Vizinho Totoro chegou aos cinemas japoneses criando alvoroço. O sucesso de público e crítica foi tanto que a personagem título tornou-se o símbolo do estúdio (é Totoro na imagem do topo). Novamente com roteiro e direção de Miyazaki, que nesta época assume o cargo de diretor do Ghibli, o filme conta a história de uma família com duas crianças que se muda para a área rural do japão, onde as duas meninas acabam por descobrir a existência de um espírito da floresta: Totoro.

Apesar de Laputa: O Castelo no CéuO Túmulo dos Vagalumes e Meu Vizinho Totoro terem sido um sucesso de bilheteria no Japão, foi apenas em 1989, com O Serviço de Entregas da Kiki, mais um filme de Miyazaki, que o Studio Ghibli conquistou o sucesso na bilheteria mundial. O longa é baseado num conto infantil de Eiko Kadono. Foi o primeiro longa a ser lançado sobre a parceria Studio Ghibli/Disney, com o filme sendo lançado com dublagem em inglês numa premiére em 1997 no Seattle International Film Festival. Este foi o primeiro de muitos filmes do Ghibli a ser lançado em inglês pela Disney, que agora detém os direitos para a maioria da produção do estúdio, e através de sua distribuição permite acesso às produção Studio Ghibli por um grande público ocidental.

A Princesa Mononoke
Na década seguinte, o Ghibli continuou a produzir uma série de animações de primeira classe, muitos dos quais foram aclamados pela crítica e pelo púbico e venceram muitos prêmios, como: Porco Rosso (1992), que conta a história de um porco aviador; Pom Poko: A Guerra dos Guaxinins (1994), que critica o impacto ambiental causado pela especulação imobiliária; e Sussurros do Coração (1995), um belo romance entre jovens, que foi o único longa dirigido por Yoshifumi Kondô, que morreu precocemente aos 47 anos. Até que em 1997 chegou aos cinemas o filme que viria a bater todos os recordes de bilheteria do Japão (até ser ultrapassado por Titanic). Mais uma vez com roteiro e direção de Hayao Miyazaki, A Princesa Mononoke leva o público para o mundo fantástico do diretor, onde em florestas ainda não tocadas pelo homem, deuses caminham na forma de animais gigantescos. Além de trazer a mensagem ambiental mais clara de toda sua filmografia, Princesa Mononoke é o maior épico do diretor.

A Viagem de Chihiro
Com o verão de 2001 chegou o lançamento da maior obra-prima do Studio Ghibli e de Miyazaki: A Viagem de Chihiro. Sendo até hoje o maior sucesso de crítica, público e bilheteria da história do Ghibli, o longa venceu um total de 35 prêmios, incluindo o Oscar de Melhor Animação, o BAFTA de Melhor Filme de Língua Não-Inglesa, o prêmio de Melhor Filme do Japanese Academy Award, ocupar o 10º lugar na lista de Os 100 Melhores Filmes do Cinema Mundial da Empire Magazine em 2010, e o Urso de Ouro de Melhor Filme no Festival de Cinema de Berlim, torando-se a primeira animação a vencer o prêmio máximo da premiação alemã. Também foi o primeira filme na história a atingir a marca de US$200 milhões arrecadados antes de estrear nos Estados Unidos. A Viagem de Chihiro lançou definitivamente o nome de Hayao Miyazaki no cenário cinematográfico mundial como um dos melhores animadores e diretores da indústria cinematográfica. Tudo fruto do trabalho árduo de uma equipe dedicada, e de uma mente criativa como a de Miyazaki, que fez questão que o filme fosse todo colorido em aquarela.

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Totoro em Toy Story 3
Nos anos seguintes também foram lançados os filmes O Castelo Animado (2004), que rendeu mais uma indicação ao Oscar para Miyazaki, Contos do Terramar (2006), Ponyo: Uma Amizade Que Veio do Mar (2008), O Mundo dos Pequeninos (2010) e outro filmes menores. Para este ano os dois maiores diretores do Ghibli, Miyazaki e Takahatan, preparam dois novos longas: Kaze tachinu, e Kaguyahime no Monogatari, ambos ainda sem tradução no Brasil..

Hoje o Studio Ghibli é considerado por muitos um dos melhores, senão o melhor, estúdio de animação no cenário mundial, servindo de exemplo para a Pixar, que ultimamente parece ter criado o hábito de reverenciar Miyazaki e sua equipe nos seus longas.

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Crítica - Bling Ring: A Gangue de Hollywood

Quinto filme de Sofia Coppola, responsável pela direção e adaptação do roteiro, Bling Ring: A Gangue de Hollywood surge como um dos filmes mais fracos da realizadora. O longa está longe de ser ruim e conta com momentos excepcionais, mas fica o gostinho de que faltou algo, ainda mais considerando que Coppola foi a responsável pelo “jovem clássico” Encontros e Desencontros.

A história situada em Calabasas, na Califórnia, acompanha a trajetória de Marc (Israel Broussard) e as outras quatro integrantes da Bling Ring (que ganhou fama por roubar casas de famosos como Lindsey Lohan, Orlando Bloom e Megan Fox, acumulando cerca de US$3 milhões em furtos), desde a formação da quadrilha até sua condenação no tribunal, enquanto vai intercalando pontualmente alguns depoimentos dos jovens. 

Baseando-se no artigo Os Suspeitos Usavam Louboutins de Nancy Jo Sales, Sofia Coppola teve a difícil tarefa de escrever um roteiro no qual precisa dar profundidade a cada um dos cinco membros da gangue enquanto desenvolve a trama, e nisso ela não tem muito sucesso. Embora a dinâmica entre os personagens flua com naturalidade, o carisma nunca é grande o suficiente para realmente nos importarmos com o futuro que cada um levará – não que exista algum suspense nisso.

Por outro lado as informações deixadas pela parte técnica são muito satisfatórias, como a parede repleta de recortes de fotos de celebridades no quarto de Rebecca (Katie Chang) ou o contraste gritante que há entre os tons pastéis da casa de Nicki (nossa queridíssima Emma Watson) e Sam (Taissa Farmiga) com a personalidade de ambas, o que se repete com Chloe (Claire Julien). A fotografia quase lúdica no início complementa a sensação que os personagens sentem ao serem tão bem sucedidos em seus furtos, além de ter momentos inspirados como no qual Marc entra em foco na tela assim que avista Rebecca para em seu carro, realçando o estado de espírito no qual ele se sente quando está com sua melhor amiga.

Já os motivos que levam os personagens a fazer o que fazem são muito claros, como fica evidente pela atitude passiva e iludida da mãe de Nicki e Sam, que usa a atriz Angelina Jolie como modelo de vida e cria um estilo de vida baseado nos ensinamentos do livro O Segredo e sua Lei da Atração. Vivendo numa época em que a mídia bombardeia todos com informações sobre celebridades e o luxo em que vivem não é difícil entender o fascínio do quinteto e sua vontade de entrar neste mundo.

E se no início a fotografia e a trilha sonora evocam o já citado clima de “sonho sendo vivido”, o quadro se reverte quando as coisas começam a desandar para o jovens: se antes suas festas eram embaladas por músicas animadas e uma câmera lenta amigável, é para depois vermos o grupo consumindo drogas frequentemente em festas de músicas cada vez mais pesadas e uma montagem que investe em cortes rápidos, salientando o descontrole da Bling Ring.

O jovem elenco se sai muito bem ao tentar conferir profundidade a personagens limitados pelo roteiro. O destaque fica mesmo para Israel Broussard, que consegue tornar Marc o mais interessante dos personagens através da mudança pela qual o vemos passar: de jovem tímido e homossexual enrustido para uma pessoa muito mais extrovertida e desinibida. Katie Chang também faz um bom trabalho na construção de Rebecca, que surge natural até quando sugere casualmente uma invasão à casa de Paris Hilton e confronta policiais com o mais cínico dos olhares.

Já Emma, que infelizmente não tem em The Bling Ring um de seus melhores momentos como atriz, consegue construir uma personagem vulgar que permanece crível pela maior parte do tempo. Ainda sem conseguir esconder o sotaque britânico, Emma parece outra pessoa ao vermos ela se oferecer sensualmente ao entregador de água, ou quando dança incansavelmente em todas as festas na qual participa. Por outro lado ela não consegue alcançar o nível de atuação necessário para cenas mais emocionais, fazendo com que o resultado de sua performance seja como uma montanha-russa cheia de altos e baixos.

Estendendo-se ainda mais do que deveria, perdendo a chance de encerrar num de seus melhores momentos ao querer ainda introduzir uma entrevista com Nick, Bling Ring: A Gangue de Hollywood não chega a ser uma completa decepção, mas seu saldo final é apenas um bom filme que ficará gravado apenas na memória dos fãs de seu elenco e realizadora por causa destes, não por sua qualidade.



The Bling Ring
Estados Unidos, 2013
Produção: Sofia Coppola, Roman Coppola, Youree Henley
Direção: Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola, Nancy Jo Sales (artigo)


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